Por Wellington Pacheco Barros – Desembargador Aposentado do TJ-RS
Existe uma antinomia entre o conceito de meio ambiente dos ambientalistas e aquele que é entendido pelos juristas. Os primeiros dão ao meio ambiente um contexto finalista e abstrato calcado no dever ser e com isso o aproximam do que seria o ideal para a vida humana. Esse pensamento exaure o princípio da precaução, segundo o qual o meio ambiente só comporta modificação diante da certeza que tal iteração humana não lhe causará danos. Já os segundos entendem o meio ambiente como um ser, algo presente e concreto, contextualizado através do princípio do desenvolvimento sustentável (deve haver interação entre o meio ambiente e desenvolvimento humano) e exteriorizado pelas condicionantes do direito positivo. Para estes, o meio ambiente é aquilo que o direito disser que é.
Esta dualidade de concepção sobre o meio ambiente cria conflitos fortes que muitas vezes não são bem assimilados pelos grupos antípodas. O que preocupa é que, não raramente, essas discussões, produzem efeitos danosos a terceiros que estão à margem da polêmica, mas que são os caudatários de uma definição concreta, como são os empreendedores.
Um exemplo forte disto está no licenciamento ambiental.
De início, é preciso que se fixe que, se alguém pretende exercer uma atividade ou empreendimento implementando o direito constitucional da livre iniciativa necessita de licença ambiental, se tal atividade ou empreendimento for potencialmente impactante ao meio ambiente.
O problema que tem surgido e que com muita freqüência os órgãos ambientais responsáveis pelas concessões de licenças agem como ambientalistas e não como estruturas de estado criadas através do direito e, portanto, obrigados a agir dentro do que esta ciência fixar. Ou seja, muitos órgãos ambientais estão agindo na concessão de licença ambiental na concepção do dever ser ambientalista e se esquecem que deveriam agir como o ser estatal.
Ora, licença vem do latim licentia, de licet (ser permitido, ser possível) e significa a permissão ou a autorização dada pelo estado a alguém para que possa fazer ou deixar de fazer alguma coisa.
No direito ambiental, o vocábulo é adjetivado com a palavra ambiental para demonstrar sua natureza de ato administrativo específico de criação e conteúdo jurídico próprios. Essa manifestação de vontade pública tem dimensão legal (Resolução 237/97, do CONAMA, ato normativo que, por força e delegação do art. 8º, inciso I, da Lei nº 6.938/81, com a redação dada pela Lei nº 8.028/90, deu a esse órgão colegiado federal a competência para a edição de normas e critérios para o licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras) quando diz que – Licença Ambiental – é o ato administrativo pelo qual o órgão ambiental competente, estabelece as condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor, pessoa física ou jurídica, para localizar, instalar, ampliar e operar empreendimentos ou atividades utilizadoras dos recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou aquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental.
Portanto, licença ambiental não é algo exigível por pura discrição administrativa ou concepção ambientalista do dever ser do agente público que exterioriza a vontade do órgão ambiental. Não é porque alguém do IBAMA, na órbita federal, da FEPAM, no Estado do Rio Grande do Sul, ou de qualquer órgão ou ente municipal, exige que a licença se tornará obrigatória. A licença é necessária porque a lei assim o diz, precisão que advém do respeito aos princípios da legalidade e da impessoalidade, vetores do comportamento administrativo, do art. 37, caput, e das garantias constitucionais insertas nos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, do art. 5º, incisos LIV e LV, todos da Constituição Federal. A licença ambiental, dessa forma, é um ser jurídico e nunca um dever ambientalista.
E a Resolução é mais clara ainda ao dispor que:
Art. 2º – A localização, construção, instalação, ampliação, modificação e operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras, bem como os empreendimentos capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento do órgão ambiental competente, sem prejuízo de outras licenças legalmente exigíveis.
E o § 1º, deste mesmo art. 2º, é taxativo ao declarar as atividades e empreendimentos sujeitos ao licenciamento, relacionando-os no seu Anexo 1.
Diante disso, é imperativo que os órgãos ambientais entendam que nas licenças ambientais suas ações devem ser pautadas conforme os comandos do direito, do ser jurídico, e não do ideário do meio ambiente abstrato, do dever ser ambientalista.
* Autor do Livro Curso de Direito Ambiental publicado pela Editora Atlas.