Por Rogério Maestri – Engenheiro, Mestre em Recursos Hídricos e Especialista em Mecânica da Turbulência

Nas últimas semanas, motivados por uma ação civil pública que foi ajuizada pela Associação para Pesquisa de Técnicas Ambientais, foi embargada a mineração de areia no rio Jacuí. Devido a insistentes reclamações, que nunca foram devidamente esclarecidas por ninguém, inclusive pelos mineradores de areia, nada se sabe sobre a correlação direta entre a extração de areia e a erosão das margens dos nossos rios, principalmente do rio Jacuí.

A pergunta que se deve fazer é se realmente as mineradoras são as responsáveis pela erosão das margens, ou se devemos procurar também outros “culpados” por este dano ambiental. Talvez possa se chegar simplesmente à conclusão que grande parte do que está ocorrendo seja resultado de práticas conservacionistas que corretamente estão sendo empregadas na nossa agricultura!

Até a algum tempo todo o plantio das lavouras do estado era feita por técnicas convencionais que ao longo de mais de meio século deixava o solo desnudo e sujeito a erosão. Para evitar a perda de solo, com a consequente perda de fertilidade foi desenvolvido e introduzido o chamado método de plantio direto. Este último, em relação aos métodos convencionais, evita a perda de solo de forma excepcional trazendo imensos benefícios a agricultura.

Se calcularmos por uma equação extremamente simplificada, a equação universal de perda de solo, que correlaciona a perda anual de solo com vários fatores inclusive a prática de cultivo, pode chegar a um potencial erosivo do solo de algo em torno de 160ton/ano/ha para o plantio convencional (na situação de solo desnudo) e 0,81ton/ano/ha para o método do plantio direto (com valores hipotéticos de declividade, área e outras variáveis, valores hipotéticos, porém factíveis). Diga-se de passagem, que estes valores não são os valores que chegam à calha dos rios, devendo ser levado em conta a taxa de entrega de sedimentos, quantidade de tempo que o solo fica vulnerável e outros.

Mesmo os dados gerados por uma simplificação grosseira da perda de solo, a proporcionalidade entre o que chega a calha do rio permanece praticamente a mesma.

Se imaginarmos que todas as demais influências, num cenário otimista, são transferidas a calha do rio somente 2% deste potencial erosivo, teríamos por hectare plantado uma diferença de aporte de sedimentos de 3,1ton/ano/ha. Ou seja, tomando-se dados de 2000 a área de plantio direto no estado de 3.393.000 ha (dados Eng. Agr. Aurelino Dutra de Farias e Eng. Agr. Tabajara Nunes Ferreira Emater/RS) teríamos por ano uma redução no aporte de sedimentos de 10 milhões de toneladas!

Por outro lado temos outro agravante, a vazão de água que chega à calha dos rios. Para mostrá-lo recorrerei às palavras de outro pesquisador da Emater dadas em entrevista ao jornal Correio do Povo de 14 de abril deste ano pelo Dr. Edmar Streck, doutor na área de solos.

””….Mas, atualmente, estamos desenvolvendo um plantio direto num sistema de monocultivo com soja no verão, diga-se de forma insustentável. A semeadura ocorre no sentido do declive, resultando num baixo aporte de resíduos culturais, infestação de plantas invasoras resistentes a herbicidas, adensamento do solo, redução da infiltração e armazenamento de água no solo…..””(o grifo é meu).

Ou seja, além de produzir menos sedimentos, algo extremamente desejável, há uma menor infiltração no solo e menor armazenamento, provocando picos de vazões mais acentuados nas calhas dos rios (isto nada desejável).

Se combinarmos todos estes fatores veremos que a situação de equilíbrio dos rios, criada no passado por práticas de manejo incorretas, está sendo corrigida implantando-se o plantio direto, porém a quantidade de sedimentos que os rios estavam acostumados a receber diminuiu significamente e a vazão aumentou.

Aí vem outro fator a ser considerado, a capacidade de transporte do rio, fator resultante do balanço entre sedimentos que o rio carrega e que troca com o fundo e as margens que aumentou, ou seja a voracidade dos rios por carregar sedimentos aumentou, e a alimentação de sedimentos das áreas com agricultura diminuiu, criando um desbalanceamento entre os sedimentos que entram no rio e os que ele pode carregar. Como a capacidade de transporte do rio aumentou de algum lugar ele deve retirar os sedimentos, e este lugar só pode ser o fundo e as margens.

A grande conclusão a que se pode chegar é que a erosão dos rios pode estar sendo promovida em sua maior parte não pelas retiradas de areia por dragagem, mas sim pela insuficiência relativa do suprimento de sedimentos.

Também podemos resumir de tudo isto, é que se esteja apresentando uma fatura de danos ambientais aos mineradores de areia, e esta poderia até em grande parte ser atribuída a um efeito natural de erosão dos rios por práticas conservacionistas nas lavouras.

Também se pode concluir que fenômenos naturais, como a erosão e deposição, devem ser estudados com mais critério, pois simplesmente olhar uma erosão numa margem e ver por perto uma draga operando, não quer dizer que haja uma relação direta de causa consequência entre uma e outra.

Fonte: Blog Porto Imagem

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