Apesar de ter entrado na empresa aos 18 anos atendendo a chamadas telefônicas, ela não pensou em seguir a carreira do avô, engenheiro de minas, ou a do pai, formado em direito, que trabalharam a seu tempo em mineradoras de carvão. Ingressou na Ulbra (Universidade Luterana Brasileira), sediada em Canoas (RS), concluindo o curso de Publicidade e Propaganda na turma de 2003. Não adiantou. A mineração já fazia parte de sua história de vida e continuaria fazendo através da Somar – Sociedade Mineradora.

Nos últimos 18 anos, desde que assumiu a diretoria executiva da empresa, Veronica Della Mea imprimiu a uma atividade tradicionalmente arcaica – a mineração de areia – um sólido conceito de sustentabilidade, que ela diz sempre esteve presente na Somar, desde sua fundação em 1976. É inegável, no entanto, que sob sua gestão, o ritmo das mudanças acelerou. Não é pouco, principalmente considerando que a extração mineral acontece em um meio físico de elevado risco ambiental: o fluvial.

É no Baixo do Rio Jacuí que a jazida de areia da Somar se estende pelos municípios gaúchos de Charqueadas, Triunfo e São Jerônimo, sendo lavrada por dragas de rosário e sucção. Esses equipamentos ainda artesanais, segundo Veronica, ganharam o que foi possível em inovação, como um sistema de GPS embarcado que permite seu monitoramento 24 h por dia e sua interrupção remota por órgãos governamentais, caso descumpram as condicionantes de operação.

Há também um trabalho intensivo de planejamento e monitoramento de indicadores operacionais relacionados ao leito do rio através de sondagens e batimetrias periódicas. E uma série de estudos ambientais, incluindo o Levantamento da Mata Ciliar e o Monitoramento da Ictiofauna e da Fauna Pulmonada, além do acompanhamento dos eventos de erosão e recuo das linhas de margem através de 21 marcos georreferenciados. É contínua também a medição do nível de água do rio, sujeito a severas enchentes anuais. Essa dinâmica de gestão assegurou à Somar as certificações ISO 9001 e 14001 desde 2015, além de vários prêmios consecutivos nacionais e internacionais de qualidade e sustentabilidade. Um reconhecimento de que a mineração fluvial de areia pode ser executada de forma ambientalmente responsável.

Nesta entrevista exclusiva à revista In the Mine, Veronica fala da fundação da empresa, da evolução de sua trajetória e de sua consolidação no mercado local de agregados. Fala também dos projetos de educação ambiental e ações comunitárias implementados ao longo dos anos em suas áreas de atuação e dos impactos ambientais causados por outras atividades. Aos jovens profissionais do setor recomenda paciência e persistência. Porque a mineração não acontece do dia para a noite e porque exige a constante superação de obstáculos.

ITM: Quando e como foi fundada a Somar?
Veronica: A Somar foi fundada em 1976 a partir de um desmembramento vertical – o primeiro desse tipo a ser realizado na mineração brasileira -, que consistiu da separação entre uma jazida de areia e uma de carvão mineral. Nessa operação, meu pai, Vitor Osvaldo Della Mea assumiu a propriedade da jazida de areia, criando a Somar, que está em operação desde 1984.

ITM: Quais as concessões de lavra que a empresa possui?
Veronica: Nossa atividade desenvolve-se no Baixo do Rio Jacuí, em uma área de 22 km2 contínuos, nos municípios de Charqueadas, Triunfo e São Jerônimo, na região metropolitana de Porto Alegre (RS). Recebemos do Ministério de Minas e Energia(MME) 14 Portarias de Lavra distribuídas nos únicos três Grupamentos Mineiros (GM) existentes no Rio Grande do Sul no setor de areia: GM 185, entre a porção leste da Ilha do Araújo e o início da Ilha do Carioca, em Triunfo; e, em Charqueadas, o GM 186, a partir da porção leste da Ilha do Araújo até a porção oeste da Ilha dos Dornelles, e o GM 187, da metade oeste da Ilha dos Dornelles até o extremo oeste da Ilha da Paciência.
Nessa época, apresentamos nosso Plano de Controle Ambiental(PCA) à então Secretaria de Saúde e do Meio Ambiente do estado. Em 1994, com a criação da FEPAM – Fundação Estadual de Proteção Ambiental -, realizamos novos estudos e obtivemos nossas primeiras Licenças de Operação (LO), que têm sido renovadas até hoje.

ITM: Como é realizada a extração da areia no leito do rio?
Veronica: Empregamos dois tipos de draga. São três dragas de rosário, também conhecidas como dragas de alcatruz ou de caçamba, e 20 dragas de sucção. As dragas de rosário são fixas no local de extração e não têm propulsão própria, sendo deslocadas por rebocadores. O material extraído por elas é transportado em 14 barcos do tipo caixa. As dragas de sucção são autocarregáveis e móveis, seguindo pelo canal de navegação do rio até o terminal de minérios, onde se auto descarregam. Toda a frota é terceirizada.

ITM: Quais são os principais cuidados nesse método de extração?
Veronica: É preciso observar rigorosamente os limites da nossa poligonal de extração e manter um afastamento mínimo de 60 m das margens do rio e das ilhas. Também monitoramos as áreas de lavra através de perfis transversais comparativos, laborados a partir da definição da superfície do leito rochoso do rio através de sondagens e batimetrias periódicas.Toda a documentação exigida por órgãos de fiscalização é mantida abordo das dragas e os funcionários das empresas contratadas foram treinados e recebem orientações e atualizações constantes sobre as exigências legais através da equipe de fiscalização da Somar. Por questões de segurança, as dragas operam de jusante a montante, já que a embarcação deve navegar em sentido contrário ao do fluxo de corrente do rio. Além do planejamento e monitoramento da lavra por estudos batimétricos, estudos técnicos adicionais definem o reposicionamento das dragas para que não sejam criadas depressões acentuadas no recurso hídrico.

ITM: Que tipos de estudos técnicos adicionais são feitos?
Veronica: Hoje, já temos mais de 100 estudos técnicos disponibilizados em nosso site para consulta pública, realizados por pesquisadores da Universidade Federal de Rio Grande (FURG) e da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), visando ampliar o conhecimento sobre a mineração de areia e dar maior transparência ao setor. Entre eles, destaco o de Levantamento da Mata Ciliar, que avalia de forma qualiquantitativa a vegetação das margens do Rio Jacuí; o de Monitoramento da Ictiofauna, para análise de espécimes de peixes existentes na área de influência direta da jazida; e o de Monitoramento da Fauna Pulmonada, que identifica o território, as vias de circulação, a
sazonalidade e os biótopos de ocorrência de cada uma das espécimes que habitam a região de nossas concessões.

ITM: A preservação das margens também é monitorada?
Veronica: Sim, desde 2009, através de marcos georreferenciados instalados em áreas que apresentavam índices significativos de erosão. Esse acompanhamento contínuo feito hoje com 21 marcos ativos, nos permite afirmar que os eventos de erosão e os recuos das linhas de margem registrados no período, em quase toda a extensão do curso do rio, não podem ser atribuídos à operação de lavra de areia executada nas áreas limítrofes.

ITM: E quais são as causas dessas ocorrências?
Veronica: As evidências são de que a morfologia natural do rio e aspectos da cobertura e uso do solo nesses locais, somados aos efeitos das ondas resultantes do fluxo natural do rio e potencializados pelas enchentes severas, têm causado impactos nos taludes marginais e, em consequência, na cobertura vegetal das margens. Tanto as margens quanto as ilhas existentes ao longo do rio sofrem grande influência antrópica em razão de diversos usos do solo e atividades nelas realizadas, como as agropastoris, de lazer, pesca, estradas municipais e pontos de lançamento de efluente doméstico e industrial, entre outros.

ITM: Quais são os principais impactos dessas atividades?
Veronica: O plantio agrícola, por exemplo, se estende e ocupa toda a área das margens, o que é proibido pela legislação ambiental. No caso da pecuária, o gado pisoteia os taludes marginais para ter acesso à água do rio, fazendo com que eles se tornem mais frágeis e instáveis e intensificando seu processo de erosão. As áreas de Preservação Permanente (APPs) também não são respeitadas devido à ocupação intensiva por atividades de lavoura, pecuária e acampamentos, que resultam no corte de árvores nativas, queimadas e depósito indevido de resíduos,entre outros impactos diretos. Ilhas como a de Paciência têm sido usadas para lavoura comercial com uso de veículos e maquinário pesado, criação de gado e porcos, acampamentos, pesca com material inapropriado e em tempo de piracema e caça a animais silvestres. A Somar não realiza qualquer supressão de vegetação e proíbe a ancoragem e embarcações próxima às margens na área de sua jazida.

ITM: Os danos à mata ciliar também potencializam os efeitos das enchentes?
Veronica: Mantemos no site da Somar uma série histórica de dados do nível da água do rio Jacuí, em Charqueadas, desde 2000. Esses dados são obtidos a partir do monitoramento de marcos geodésicos e comprovam que os taludes que não possuem mata ciliar ou que se localizam na margem côncava do rio são as áreas mais atingidas pelos impactos adversos das enchentes. Em 2019, por exemplo, o nível da água atingiu cotas superiores a 5 m. No período de enchente, o regime de fluxo do rio é alterado, aumentando a quantidade de material em suspensão e elevando a densidade da água. Além disso, a elevação da velocidade de corrente do rio aumenta a remobilização do material sedimentar de seu leito e o processo erosivo das margens superficiais do rio e das ilhas.

ITM: Nesses períodos de enchente e também nos de seca, como é realizada a operação da Somar?
Veronica: O normal é paralisar a operação. Geralmente, as enchentes ocorrem em setembro. Mas após uma fase de seca iniciada em novembro de 2019, tivemos enchentes históricas do Rio Taquari em julho passado, que não existiam, nessa gravidade,desde a década de 1960. No Rio Jacuí, onde o Taquari desagua, o nível normal da água que é de 2 m, chegou a 6,5 m. Quando o vento sul represa as águas da Lagoa dos Patos, elevando seu nível e fazendo com que ele transborde, há enchentes no Lago Guaíba e no Rio Jacuí, que desagua nele. Na Somar, temos um Plano Emergencial para Enchentes que é acionado a partir da medição do nível de água feita em Charqueadas por três réguas e em três horários diferentes do dia. No período de seca, o problema é a falta de condição da navegabilidade das embarcações.

ITM: Como é realizado o beneficiamento da areia?
Veronica: Nossa areia é comercializada in natura. Não há necessidade de beneficiamento porque ela tem uma granulometria regular que a torna adequada ao setor da construção civil, incluindo a produção de concreto.

ITM: Qual é a produção atual da Somar e qual a sua logística de expedição?
Veronica: A produção, em 2019,foi de cerca de 1,8 Mtpa, destinada à região metropolitana de Porto Alegre, a cerca de 50 km de distância. Os clientes retiram o material nos terminais de minério através de caminhões rodoviários ou contratam seu transporte fluvial, que compensa conforme a quantidade adquirida. Cada embarcação possui capacidade para 300 m3 de carga contra cerca de 20 m3 de um caminhão.

ITM: Ao longo da trajetória da Somar, quais foram as principais inovações tecnológicas implantadas na operação?
Veronica: Fomos a primeira empresa do Brasil a implantar, em 2008, um sistema de GPs em todos os equipamentos de dragagem. Essa medida possibilita que as operações sejam monitoradas 24 horas por dia pela FEPAM e por outros órgãos governamentais, que podem interromper remotamente o funcionamento da draga se alguma irregularidade for constatada, como a operação em desacordo com as condicionantes da licença de extração. Isso nunca ocorreu até hoje. Os funcionários das dragas também recebem treinamentos e material de orientação para a separação de resíduos sólidos recicláveis, não recicláveis e perigosos. No que se refere a óleos e graxas, as dragas, barcos de caixa e terminais de minério devem comprovar que esses resíduos são acondicionados de forma adequada em bacias de contenção e têm destinação final correta. Desde 2015, ainda, as embarcações operam com kits de mitigação ambiental para situações de vazamento de hidrocarbonetos. Os equipamentos são periodicamente inspecionados por uma equipe móvel da Somar que, entre outros itens, avalia a qualidade da separação de seus resíduos. Essas embarcações são muito artesanais, com sistemas elétricos e hidráulicos diferenciados e customizadas para sua aplicação. Ainda não dão muita margem a grandes inovações tecnológicas.

ITM: A quais fatores podem ser atribuídas as certificações ISO e premiações de qualidade de gestão e sustentabilidade conquistadas pela Somar?
Veronica: A preocupação com a responsabilidade socioambiental de nossa operação faz parte do DNA da empresa. Eu acredito que a Somar está colhendo os frutos de uma cultura muito forte focada em pesquisas e programas que geram qualidade de vida em todas as áreas de nossa atividade. Nesse contexto, fomos a primeira mineradora de areia do Brasil a receber a certificação ISO 14001, de sustentabilidade, e uma das poucas do setor a receber a ISO 9001, de gestão da qualidade, ambas em 2015. Em 2017, no Panamá, conquistamos o prêmio Latin American Quality Award, do Latin American Quality Institute (LAQI). Em 2019, recebemos pela sexta vez consecutiva o Selo Verde do Prêmio Socioambiental Chico Mendes, concedido pelo PROCERT– Programa de Certificação pelo Compromisso com a Gestão Socioambiental Responsável, do Instituto Chico Mendes, que avalia empresas seguindo critérios de gestão de negócios, social e ambiental. Também em 2019, obtivemos o ESQR’s Quality Choice Prize, da Sociedade Europeia para Pesquisa de Qualidade, que promove a conscientização de qualidade, as boas práticas de negócios e a inovação tecnológica em organizações em todo o mundo.

ITM: Como é a atuação da empresa junto às comunidades locais?
Veronica: Temos uma série de projetos. Um deles, o Projeto Margens Vivas é voltado a escolas de nossas áreas de atuação e incentiva o replantio de mata nativa em áreas ribeirinhas de municípios que integram a bacia hidrográfica do Baixo Jacuí. Desde 2008, temos o Projeto Arboreto Wangari Maathai, em parceria com o grupo Escoteiros Jacuí 33 e com o Instituto Estadual de Educação São Jerônimo, para implantar o Arboreto Wangari Maathai. São 4 canteiros didáticos plantados por alunos da escola com 60 espécimes de diversas formações florestais gaúchas, do ecossistema brasileiro, de reinos florísticos do mundo e de plátanos. A área de 2.500 ha é mantida pela Somar e utilizada como ambiente didático pelos docentes da escola em suas aulas. O mesmo grupo de escoteiros participa do Projeto Ecóleo para confecção de sabão a partir do óleo de cozinha recolhido em alguns pontos do município de Charqueadas, e da Descida do Arroio, fazendo o levantamento de usos e ocupações do Arroio dos Ratos, afluente do Rio Jacuí, realizando a recomposição da mata ciliar e coletando resíduos encontrados ao longo do percurso. Em 2019, patrocinamos o plantio de árvores frutíferas para revitalização de uma área pública em Charqueadas,onde também doamos a um grupo de bombeiros voluntários uma embarcação para o resgate de pessoas no período de enchentes. Participamos do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Baixo Rio Jacuí (CGBHBRJ), formado por representantes dos usuários da água da bacia, população local e órgãos da administração direta, estadual e federal relacionadas aos recursos hídricos. Uma outra iniciativa que idealizamos foi o Projeto Elo Verde, mas não conseguimos viabilizá-lo.

ITM: Qual o foco desse projeto e porque ele não deu certo?
Veronica: O Projeto Elo Verde foi concebido com base na experiência em replantio que adquirimos no Projeto Margens Vivas. É uma parceria com o CGBHBRJ para a distribuição de mudas entre proprietários da região para recomposição da mata nativa entre a barragem de Dona Francisca, no município de Agudo, e o Delta do Jacuí. Numa primeira etapa, seriam demarcadas 5 áreas com 2 mil m2, na faixa de APP do Rio Jacuí, em pontos onde a mata ciliar já não existe e, preferencialmente, em locais protegidos dos efeitos das enxurradas. A Somar disponibilizaria apoio técnico para o plantio das mudas e um biólogo daria orientações para a manutenção dos canteiros experimentais. Também estava previsto o acompanhamento da evolução desses canteiros e a aferição dos resultados do plantio. Apesar da divulgação em cerca de 40 municípios, não houve participantes interessados.

ITM: Qual foi o impacto da pandemia de Covid-19 nas operações da Somar?
Veronica: A Somar possui 20 funcionários diretos. Todos foram mantidos. Adotamos os protocolos de saúde previstos para o enfrentamento da pandemia, como o uso de álcool em gel, de equipamentos de proteção individual (EPIs), higienização das instalações e distanciamento social.

ITM: Qual é sua avaliação da legislação ambiental brasileira em relação à mineração e quais os principais entraves do licenciamento ambiental hoje?
Veronica: A atividade de mineração é de âmbito nacional já que os recursos minerais pertencem à União e sua extração deve ser autorizada por órgão federal. No entanto, cada estado e município possui legislações específicas para o licenciamento ambiental. No Rio Grande do Sul, essa legislação é bastante restritiva e rigorosa. No nosso caso, por exemplo, os equipamentos de extração e terminais de minério precisam ter Licença Ambiental. Essa legislação poderia ser mais uniforme e concentrada nos órgãos ambientais estaduais, que tratariam das particularidades de cada operação. Sem delegar atribuições aos municípios que, por vezes, não têm condições de executá-las. Também é uma legislação muito burocrática. Nossas licenças têm validade de 4 anos. Encaminhamos todos os relatórios anuais exigidos nesse período, mas na renovação temos de enviar todos novamente. O processo poderia ser simplificado seguindo o exemplo dos processos minerários. Ou seja:um único processo trataria do licenciamento ambiental durante toda a vida útil da jazida. Assim, não se perderia o histórico desses dados, que estariam reunidos em um só processo.

ITM: Em sua opinião, quais são as perspectivas para a mineração de areia no Brasil?
Veronica: Eu gostaria que a produção, não só de areia, mas de agregados em geral, assim como sua demanda, se mantivesse e crescesse exponencialmente. Porque essa produção é diretamente ligada ao IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), fornecendo insumos para a construção de escolas,moradias, hospitais e redes de saneamento, entre outras obras de infraestrutura importantes para elevar a qualidade de vida da população brasileira. Infelizmente, ainda hoje, o consumo per capita de agregados no Brasil ainda é bastante baixo se comparado ao de outros países.

Por: Tébis Oliveira
Fonte: In the mine Ano XV – 2020 – N°86

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